Acórdão 503/2021 do TCU e a Nova Lei de Licitações
Acórdão 503/2021 do TCU e a Nova Lei de Licitações

Leia abaixo um trecho do referido acórdão:

1. Em licitações de serviços continuados, para fins de qualificação técnico-operacional, a exigência de experiência anterior mínima de três anos (subitens 10.6, b, e 10.6.1 do Anexo VII-A da IN-Seges/MPDG 5/2017), lapso temporal em regra superior ao prazo inicial do contrato, deve ser objeto de adequada fundamentação, baseada em estudos prévios e na experiência pretérita do órgão contratante, que indiquem ser tal lapso indispensável para assegurar a prestação do serviço em conformidade com as necessidades específicas do órgão, por força da sua essencialidade, quantitativo, risco, complexidade ou qualquer outra particularidade.


Não é preciso muita explicação para entender este acórdão. Do trecho acima, fica claro que é possível exigir experiência mínima de 3 anos, desde que bem fundamentada, conforme a diretriz lá apontada. O que chama atenção desta decisão é sua semelhança com o art. 67, §5º da Lei nº 14.133/2021, a nova lei de contratação pública:


§ 5º Em se tratando de serviços contínuos, o edital poderá exigir certidão ou atestado que demonstre que o licitante tenha executado serviços similares ao objeto da licitação, em períodos sucessivos ou não, por um prazo mínimo, que não poderá ser superior a 3 (três) anos.


Muito parecido, não é? 


Bom, mas o julgamento em tela não trata da nova lei. O caso versa sobre um pregão de 2017, formatado nos termos da Lei nº 10.520/02 e da Lei nº 8.666/93, aplicada de forma subsidiária, segundo se lê no acórdão. Antes de seguir, é necessário destacar que os professores Ronny Charles, Joel de Menezes Niebuhr e Jacoby Fernandes entendem que, para a habilitação, não se aplica a Lei nº 8.666/93 subsidiariamente. A Lei nº 10.520/02 tem regras próprias sobre o tema e, sozinha, “dá conta do recado”. 


Na prática, os editais acabam por aplicar ao pregão as regras de habilitação da Lei nº 8666/93 porque a lei do pregão diz assim: 
Art. 4º, XIII - a habilitação far-se-á com a verificação de que o licitante está em situação regular perante a Fazenda Nacional, a Seguridade Social e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso, com a comprovação de que atende às exigências do edital quanto à habilitação jurídica e qualificações técnica e econômico-financeira;


Veja a sutileza. O dispositivo disse que devem ser comprovadas as exigências de habilitação jurídica, qualificação técnica e econômico-financeira previstas no edital. Só que a lei do pregão não detalhou este tema, deixou para o edital fazê-lo. Então, o que você acha que o servidor vai fazer? Ele vai criar regras de habilitação? Não. Vai pegar as que estão na Lei 8.666/93, que ele já está acostumado e colocar no edital do pregão. Simples assim. A partir daí, a análise da habilitação será pautada pelos entendimentos e interpretações aplicadas à Lei nº 8.666/93. Ao final das contas, é como se tivesse sido feito o uso supletivo da Lei nº 8.666/93. É assim que eu vejo essa questão.


Entendido este ponto, você vai estudar a Lei nº 8.666/93 acerca da habilitação e encontra o seguinte:


Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
(...)
II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
(...)
§ 5o É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.

O mesmo artigo diz que os atestados devem ser compatíveis com os prazos do objeto da licitação, mas veda que haja limitações de tempo. Como é que eu vou fazer isso? Como posso exigir um atestado compatível com o prazo de um serviço, por exemplo, se não posso limitar este tempo? Percebeu a contradição? Assim, se o serviço é complexo, com duração de 12 meses e possibilidade de prorrogação, não posso exigir atestado de, pelo menos, 06 meses? Numa interpretação literal da lei, não, porque isso é limitação mínima de tempo. Faz sentido isso?!


Agora, presta atenção. Um dispositivo (artigo, inciso, alínea) não pode eliminar o outro. Ele pode criar uma ressalva, trazer uma regra especial, mas não pode anular o sentido que outro prega. “A lei não possui palavras inúteis”, já dizia o mestre Carlos Maximiliano. Portanto, eles têm de fazer sentido de forma conjunta, notadamente, quando tratarem do mesmo assunto. Dessa forma, quanto à contradição aqui apresentada, entendo que é possível limitar prazo, desde que esta restrição seja pertinente e compatível com o objeto. Este é seu real sentido. A lei não quer, na verdade, é que se faça uma limitação aleatória, sem conexão com a solução escolhida e que iniba a participação sem proveito algum à disputa.


É nestes termos que o TCU toma sua decisão no acórdão 503/2021 – Plenário, como já o fez em vários outros julgados. Do mesmo modo, a IN 05/2017 assume esta postura e concede esta opção ao servidor federal.


Agora, você percebeu que para chegar neste entendimento foi preciso uma leitura atenta da lei, além de conhecimento acerca da interpretação legislativa? Parece até que foi feita para confundir. 


Este aparente conflito de normas, até dentro de uma mesma lei, gera insegurança jurídica pelas dúvidas que provoca em servidores, professores e licitantes. Eis aí um bom motivo para saudar a nova lei. Ela unifica os posicionamentos firmados pelo Tribunal de Contas da União e aqueles previstos em regulamentos federais. O caso aqui debatido é um bom exemplo disso. Reveja o art. 67, §5º da Lei nº 14.133/2021 que transcrevi acima. Ele é o resultado dessa interpretação da Lei nº 8.666/93, só que expresso de forma clara e de fácil compreensão como deve ser.


A lei foi feita para todo mundo entender, não só os profissionais do Direito. Se ela entra em conflito com ela mesma tudo fica ainda mais difícil. Já não bastam as dificuldades que decorrem da própria complexidade da contratação pública?