Pessoal, cada vez mais o TCU julga casos a respeito de erro grosseiro. Apesar de, em regra, a jurisprudência não ser vinculativa, ela é tida como uma fonte secundária do Direito, quer dizer, serve como baliza de orientação para o correto entendimento e aplicação da lei. Assim, é bastante recomendável o conhecimento da jurisprudência dos tribunais de contas, principalmente quando o tema suscita dúvidas práticas.
O acórdão nº 9209/2022 da Primeira Câmara do TCU, a respeito do erro grosseiro é um bom exemplo. Com efeito, o conceito fluido e bastante subjetivo da referida expressão técnica exige exemplificação concreta para melhor entendimento. Veja como o define o §1º do art. 12 do Decreto Federal nº 9.830/2019: “considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.
Antes de seguir adiante, lembro que decreto federal vincula apenas órgãos federais. Estados e Municípios, entretanto, podem observar as regras previstas em normativo da União mediante assinatura de acordo ou instrumento equivalente, situação muito comum quando há o recebimento de recursos federais.
Quanto ao conceito acima exposto, perceba que ele traz muitas palavras vagas. A pouca precisão dos vocábulos, assim, traz incerteza ao intérprete da norma. Como dito antes, para facilitar a compreensão, recorre-se à jurisprudência (e também à doutrina), como no julgado nº 9209/2022 – Primeira Câmara:
“Para fins de responsabilização perante o TCU, caracteriza erro grosseiro (art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 - Lindb) a realização de pagamento antecipado sem justificativa do interesse público na sua adoção, sem previsão no edital de licitação e sem as devidas garantias que assegurem o pleno cumprimento do objeto pactuado”.
Veja que o TCU aponta a configuração da prática de um erro grosseiro a partir de uma situação real. Em resumo, o tribunal entendeu que os graves vícios na aplicação do pagamento antecipado seria o caso de erro grosseiro. Na decisão em apreço, foram expostos os requisitos necessários para admitir o pagamento antecipado em contrato administrativo, conforme já reiteradamente decidido nos acórdãos 31/1994, 110/2001 e 3030/2010:
apresentar justificativa que atenda ao interesse público;
previsão em edital
exigência de garantias para assegurar o cumprimento do contrato
A nova lei de licitações e contratos traz dispositivo muito semelhante ao teor contido no acórdão do TCU:
Art. 145.Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.
§ 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.
§ 2º A Administração poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado.
§ 3º Caso o objeto não seja executado no prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido.
O importante aqui é perceber porque esta situação se caracteriza como erro grosseiro. Ora, qualquer gestor público tem de saber que o pagamento, em regra, somente ocorre após a entrega do bem ou execução do serviço. A Lei nº 4.320/1964, vigente há quase 60 anos, estabelece as etapas da despesa pública na seguinte ordem: empenho – liquidação – pagamento.
Primeiro é feito o empenho, quer dizer, emitido o ato que cria uma obrigação de pagamento futuro. É uma forma de garantir que o contratado receberá a contraprestação correspondente. Em seguida, a liquidação: o estágio em que a Administração confere a execução do objeto (entrega do bem e/ou prestação do serviço) para, depois, proceder ao pagamento, última etapa da despesa.
A sucinta explicação acima apresenta o procedimento realizado em quase todas as contratações públicas. Algo cotidiano, corriqueiro. De tal modo, realizar pagamento antecipado à execução contratual é algo bastante incomum na seara da Administração Pública. Assim, fugir desta regra exige, no mínimo, bastante cuidado. Seria razoável esperar que o órgão adotasse cautelas ao inverter estas etapas determinadas por lei. Ora, o estudo da doutrina ou uma simples pesquisa à jurisprudência do TCU eliminaria qualquer dúvida a respeito do assunto.
Sobre isso, leia abaixo mais duas passagens do acórdão em análise:
“O descompasso entre a execução física e financeira do contrato de obra pública, em desfavor da Administração, tem sido objeto de reprimenda do TCU em inúmeros processos. Consoante remansosa jurisprudência desta Corte, a antecipação de pagamento somente deve ser admitida em situações excepcionais, devidamente justificadas, ocasião em que deve ficar demonstrada a existência de interesse público, obedecidos os critérios e exceções expressamente previstos pela legislação que rege a matéria, quais sejam, existência de previsão no edital de licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação direta e as indispensáveis cautelas e garantias. Nesse sentido o Plenário se manifestou, por exemplo, por meio dos Acórdãos 31/1994, 110/2001 e 3030/2010.
(...)
A realização de um pagamento de quase 40% do valor total do contrato, ainda no início dos trabalhos, sem que houvesse a mínima comprovação quanto à execução física da obra, expôs o erário federal a elevado risco de prejuízo, caso a contratada não se desincumbisse da obrigação de realizar os serviços já liquidados”.
Entendo que o caso, de fato, caracteriza hipótese de erro grosseiro. Para conhecer mais situações que se enquadrem na hipótese de erro grosseiro, recomendo a pesquisa de jurisprudência no site do TCU.