Por Natally Vasconcelos
Você acha possível realizar o reajuste de preços sem previsão deste instituto no edital ou no contrato?
Não é raro surgirem questionamentos no setor jurídico acerca da possibilidade de inclusão tardia da cláusula de reajuste ao contrato firmado, seja porque o edital e o contrato são omissos, seja porque o edital prevê expressamente que o preço será fixo e irreajustável e o contratado, após o encerramento da disputa, entende que a regra é ilegal e inconstitucional.
Entendo que a negativa, em ambos os casos, é o caminho e por razões bem fáceis de entender. Eu te explico.
Reajuste, numa linguagem bem simples, meus amigos, nada mais é que ajustar novamente, o que nos remete à ideia de retorno ao equilíbrio que se tinha quando pactuado determinado ajuste.
Reajuste de preços, então, é a atualização do valor inicialmente acordado, decorrente das alterações no mercado que acabam por repercutir no contrato.
A Lei 8.666/93 (art. 40, XI) diz que o edital deverá conter “critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela”.
A NLLC, Lei nº 14.133/2021, (art. 6º, inciso LVIII) define reajustamento em sentido estrito como a "forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato consistente na aplicação do índice de correção monetária previsto no contrato, que deve retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais."
Você pode me perguntar: de onde surge esta obrigatoriedade?
O fundamento do reajuste não é apenas legal. Antes de a lei determinar a sua inclusão no edital e no contrato, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 37, XXI que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
Quando a CF nos diz que deverão ser mantidas as condições efetivas da proposta, ela fixa uma garantia: a da obrigatoriedade da manutenção da equação econômico-financeira estabelecida naquele momento.
Esta garantia é extremamente importante:
a) tanto para o fornecedor, porque assim ele terá a segurança de que em situações que modifiquem o seu preço ele estará amparado e poderá se valer de um instrumento para sua recomposição;
b) quanto para a Administração Pública, uma vez que esta segurança servirá para impor um limite ao preço ofertado pelo licitante.
Se não há previsão de reajuste, cria-se um risco para o fornecedor de que este contrato possa vir a ter uma variação de preço que talvez não possa ser suportada.
Meus caros, risco é dinheiro e o mercado com certeza o computará em seus preços. É assim que fornecedor responsável age.
Infere-se, portanto, e sem qualquer sombra de dúvidas, a natureza essencial e obrigatória da referida cláusula tanto no edital quanto no contrato.
Todavia, é imperioso destacar, que em que pese de matriz constitucional, estamos diante de um direito patrimonial e, portanto, disponível. Ora, se o licitante percebe a omissão acerca do reajuste ou se depara com a menção de que o preço será fixo e irreajustável e não impugna o edital, ele aceita a regra e o preço será considerado, então, fixo e irreajustável.
Perceba, o direito ao reajuste, repita-se, em que pese tenha matriz constitucional, é um direito material/patrimonial e por isso disponível, ou seja, pode o licitante abrir mão de exigi-lo. Não há nada que o proíba de fazer isso.
Tanto é verdade que quando da renovação do contrato, se a Administração perceber que reajustando o preço do fornecedor, ele ficará substancialmente acima do estabelecido pelo mercado naquele momento, ela deverá chamar a empresa para negociar o não reajuste para o fim de viabilizar a consequente renovação, podendo a empresa aceitar a proposta, renunciar o direito ao reajuste e renovar o contrato nas mesmas condições já pactuadas.
Então, esse argumento de que por ter matriz constitucional e a lei geral e a NLLC exigirem a cláusula de forma obrigatória e independente de qualquer situação é, no meu sentir, extremamente frágil, concessa maxima venia a quem entende de forma diversa.
Ademais disso, formalizar aditivo para inclusão posterior de cláusula de reajuste fere tanto o princípio da obrigatória vinculação ao edital, já que ele não previa o dito reajuste ou previa a sua inaplicabilidade, quanto o princípio da isonomia entre os licitantes.
Ora, se todos concorreram sabendo que o preço não seria reajustável, a probabilidade de que esta informação tenha impactado nas propostas é enorme e não pode o vencedor, após o encerramento do certame, não tendo impugnado o edital ou tendo impugnado e recebido resposta negativa, decidido, ainda assim, participar do certame, abrindo mão da cláusula, requerer alteração do contrato para inclusão que vai beneficiá-lo em detrimento dos demais participantes. Ele não pode se beneficiar mediante a alteração das regras do jogo após o seu encerramento. Isso, na minha visão ,é fraude.
Por estas razões, defendo a impossibilidade de realização do reajuste sem previsão anterior em edital ou contrato.