Por Bruno Maciel de Santana
Tudo pode ser precificado, mas nem tudo pode ser objetivamente comparado. Não é a existência de pesquisa de mercado que faz ser viável uma competição. Professores e artistas, por exemplo, precificam seus serviços. Entretanto, tais serviços não admitem licitação porque há inviabilidade objetiva de competição (inexigibilidade). As características de serviços intelectuais e artísticos dependem de impressões subjetivas, baseadas no gosto do cliente. Ora, como mensurar a qualidade de uma aula sem adentrar no subjetivismo inerente à natureza desta atividade, que envolve oratória, didática, carisma, energia, postura, simpatia dentre outros predicados relevantes?
E como avaliar qual o melhor cantor sem enveredar-se por este mesmo caminho? Quem já assistiu a um concurso de canto percebeu que não é o nível de precisão da afinação que faz alguém ser o vencedor. Vence aquele que além de afinado, tem “presença de palco”, que cativa o público e que emociona a plateia. Arrisco-me a dizer que esta seria a fórmula. Perceba, porém, que o único elemento objetivo nesta equação é a afinação. Os demais são puramente subjetivos, cuja valoração depende de quem ouve. Agora, preste atenção. A existência de critérios subjetivos não impede a competição.
Tanto isso é verdade que há os concursos de canto, de beleza, de arte etc. Entretanto, a prevalência da subjetividade é o que inviabiliza o processo de licitação, calcado no princípio do julgamento objetivo. Se a análise do bem ou serviço depende de impressões subjetivas do julgador, a licitação não é o caminho adequado. É, justamente, esta a razão pela qual a análise de amostras de alimentos, por exemplo, não pode ser realizada por degustação. O gosto é irrelevante neste caso e não pode ser critério de avaliação. Como recorrer de uma decisão que diz: “produto reprovado por gosto ruim”?
Assim, não é a mera precificação da atividade que a torna passível de aferição objetiva. O preço não altera a natureza do objeto, apenas o valora. Em outras palavras, não é a ocorrência de pesquisa de preços que faz viável uma licitação para a contratação de serviços técnicos especializados ou de um profissional do setor artístico (arts. 74, II e III da Lei nº 14.133/2021). A natureza de tais serviços exige avaliação subjetiva. Reafirmo. Não é porque o professor, por exemplo, estabeleça um preço para sua hora-aula que, automaticamente, este serviço passe a ser comparável objetivamente.
Agora, imagine que um órgão deseje contratar um profissional para qualificar sua equipe de servidores acerca da nova lei de licitações. O órgão, para esta contratação, possui dotação orçamentária de apenas R$ 10.000,00 (dez mil reais). Há quantos nomes no mercado capazes de prestar este serviço de forma satisfatória? Inúmeros. Então, como escolher? O órgão faz um levantamento de alguns profissionais aptos e perfeitamente qualificados. Todos com bom currículo e experiência no ramo, requisitos necessários para proceder com a contratação direta por inexigibilidade de licitação, além dos demais procedimentos previstos nos arts. 72 e 74 da NLLC.
Contudo, em razão da restrição orçamentária, solicita proposta de preços aos escolhidos. Por volta de cinco deles encaminham suas propostas com valores e carga horária que cada profissional julgou mais adequados para o serviço. O órgão, assim, seleciona aquelas cujo preço seja de até R$ 10.000,00 (dez mil reais) e pondera, dentre eles, qual será o contratado. Feita a escolha é hora de justificar o preço. Mas, professor, o preço já não está justificado? Não totalmente. Aquela pesquisa pode ser considerada, talvez, um indício de que o preço é justo, quer dizer, de que o valor não é discrepante frente ao mercado.
No entanto, é preciso mais. O profissional eleito tem de comprovar que sua proposta tem lastro em seu histórico, mediante a demonstração de outros contratos firmados em condições semelhantes. De fato, a melhor maneira de justificar o preço para uma contratação direta por inexigibilidade é pelo histórico das últimas contratações do futuro contratado. Então, não precisava fazer aquela pesquisa, não é? Não precisava, mas foi o meio pelo qual o órgão optou para encontrar alguém com qualidade suficiente para suas necessidades e conforme sua restrição orçamentária.
A pesquisa de preços aí serviu para isso. Portanto, de modo algum ela terá o condão de modificar a natureza do objeto. E, de modo algum, ele será suscetível a comparações objetivas somente porque preços foram propostos em pesquisa. Afinal, tudo pode ser precificado, mas nem tudo pode ser objetivamente comparado. Por fim, entendo que a justificativa de preços pode demonstrar a possibilidade de competição nos casos em que se alega exclusividade (art. 75, I, NLLC). Ora, se há pesquisa com outros profissionais, então, o objeto não é exclusivo. É como interpreto o art. 7º, §3º da IN nº 65/2021 da SEGES.